sábado, 27 de dezembro de 2008

Do livro "Sinto Muito" de Nuno Lobo Antunes

Doutor: É de olhares.É de olhares que eu preciso.Tudo o que o médico diz sem olhar é bula sem medicamento. Papel fininho, dividido em oito partes, com instruções de montagem. Não... é de olhares que eu preciso. De um certo olhar. Preciso Doutor, que o azul dos seus olhos me faça companhia, que é do céu e do mar me traga a paz... não, minto, a planície onde se estenda tranquila a criança que trago nos meus braços. Percebo que desse lado da secretária, com os seus instrumentos e o seu saber, crie a distância que o preserve da dor, e que derrame sobre o meu filho prognósticos sem esperança., abanos de cabeça onde chocalha a impotência. Pare! nos seus olhos receba-o e a mim, que somos um só. Doutor, o senhor é homem... não compreende... mulher e filho têm o mesmo caule, a mesma raiz. Não se iluda Doutor, somos o mesmo, matéria ou espírito, somos o mesmo. Toque-lhe e a mim me toca, beije-o e a mim me beija, acaricie-o e a mim festeja. O meu filho, Doutor, não se esqueça, o Meu filho. Por favor, olhe-me o no seu olhar prometa-me. Não, minto, jure pela saúde dos seus, que o saberei proteger, que viverá para sempre, criança sem mágoas junto a mim, que o meu peito é redondo como o céu, a minha pele sem ruído como o mar. Jure que terá o conforto que o meu ventre lhe prometeu. Mais, muito mais: que o seu ventre lhe jurou. Sim, porque dentro de mim existia um oceano, e a parede do meu útero era um universo sem estrelas, noite perfeita, que as estrelas, às vezes, não deixam dormir. Doutor, ele cresceu dentro de mim. Não anuncie desgraças, privações, troças, desamores. O meu corpo é um casulo, dele só nascem borboletas. De asas brancas, claro, como as dos anjos. Não, não há pernas tortas, nem movimentos sem graça. Apenas crianças eternas, em eterna paz no meu seio, no meu ventre, nos meus braços.Não se esqueça, Doutor, peço-lhe! É de um olhar que eu preciso. Cale-se, não fale, não anuncie tempestades, furacões, não me afunde em tristeza sem retorno. Conhece o poço, doutor? Já se debruçou? Conhece o fundo negro onde se reflecte a minha cara? Onde o eco da minha voz, ao repetir-se se apaga,como o tom dos sem vida. Tire-me daí, Doutor. Faça cumprir a promessa de criança sem mácula. O meu ventre foi papel e lápis, o meu amor a inspiração de artista, a minha juventude a certeza de que, se houvesse nuvens, todas seriam brancas, diáfanas como vestidos de noiva. Perceba, Doutor, eu sou a Terra, e de quem mim nasça, canta no coro da igreja, loura e sem pecado, louvores ao criador que, de tão perfeito, em gestos precisos, sem hesitações, desenha às crianças futuros sem trevas. É de um olhar que eu preciso, Doutor. Um olhar como tela de cinema que projecte a minha esperança, a certeza de um mundo que não se afasta do jardim, que na minha barriga guardei, pequenino e certo, mas tão completo, que dia e noite nunca lá ouvi chorar. Quem veio de país tão misterioso (as pessoas não sabem, mas a minha barriga é aquele país distante onde vivem príncipes sem medo, e princesas de cintura fina e virgindade guardada) , decerto crescerá sem mazelas que um beijo não console, sem rodas vivas que o meu olhar não ampare, sem que se interrompa a minha promessa eterna de mulher. Não, de mãe, que ser mulher, é apenas uma desculpa, sim, uma desculpa para ser mãe. O senhor não sabe, não conhece... Não, Doutor, não olhe assim para mim, não anuncie dores, mortes, imperfeições. Alguma vez sentiu, dentro de si, a vida que justifica a vida. Não, agora a sério... Doutor, que sabe o senhor da vida, se nunca, dentro de si, ela cresceu? Doutor, não se engane! feche os livros, ria da ciência, confesse ignorância, não zombe do milagre. Há dentro de mim muito mais do que pode compreender. Desculpe, sim.. é homem... Ponha para lá o mau agouro, afaste de mim o seu olha gélido com o azul de pólos árcticos, donde sopra o frio, vento e nada e diga-me, Doutor, se alguma vez dos seus olhos nasceram rosas? Da sua barriga se abriram folhas, cresceram pétalas, espantos e encantos? Risos sequer? Mãos de criança? Diga, Doutor, já alguém se alimentou do seu seio, e, farto, adormeceu? Alguma vez dos seus olhos nasceu o Sol? Doutor, se dentro de si nada que se pareça com um jardim alguma vez brotou, se dentro de si nem risos nem choros, nem olhos nem mãos, nem esperança nem dor, nem nada do que nesta vida merece ser celebrado, alguma vez brotou - tire a gravata, Doutor, e por uma vez, peço-lhe, cale os seus olhos.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Jorge Pedreira equipara os professores a ratos

Jorge Pedreira equipara os professores a ratos numa reunião de professores socialistas!

Explicando porque não pode ceder o ministério às exigências dos professores: «Quando se dá uma bolacha a um rato ele a seguir quer um copo de leite!» Um relato na primeira pessoa. António Galrinho Nos últimos dias recebi SMSs de diversos colegas alertando para a presença do Jorge Pedreira, secretário de estado da educação, numa palestra a realizar em Setúbal, no dia 16 de Novembro às 17h. A palestra era subordinado ao tema "Política de Educação", foi promovida pela distrital do PS mas era aberto a não-militantes. Eu lá apareci, pensando que ia encontrar vários colegas da nossa escola, mas fui o único. No auditório da Estalagem do Sado, estávamos oitenta pessoas, o que corresponde a cerca de metade dos lugares. Esperava ver lá mais gente. Quase todos os presentes eram militantes do PS e percebi mais tarde, pelas intervenções, que cerca de metade dos presentes eram, também, professores. Eu, que sou apartidário e feroz crítico de quase tudo o que seja políticos e seus comportamentos, e nada habituado a estas lides, ali fiquei sentado ao lado de um colega de outra escola, na última fila. Na mesa estava o secretário de estado, ladeado pelo ex-deputado, actual presidente da distrital do PS (e também pintor) Vítor Ramalho, e por um indivíduo que nunca falou e que desconheço. Na plateia reconheci de imediato o Humberto Daniel, ex-presidente da junta de freguesia de S. Sebastião, e o Paulo Pedroso, deputado do PS. A palestra foi um misto de operação de charme e de apalpar o pulso aos militantes sobre o assunto em causa. O secretário de estado falou durante 50m, ininterruptamente e sem recurso a qualquer tópico escrito. Trazia, natural e obviamente, a lição mais do que sabida. Disse essencialmente disparates, mentiras e até ofendeu os professores. Aquelas coisas que estamos fartos de ouvir: os professores trabalham poucas horas, nunca foram avaliados, não querem ser avaliados, os sindicatos assinaram e agora não cumprem com o que assinaram, os professores eram uns privilegiados porque progrediam automaticamente nas carreiras, o excessivo abandono escolar, a falta de hierarquias, o premiar do mérito, etc., etc., etc. Depois houve inscrições para expor opiniões. 27 pessoas se inscreveram, entre as quais eu, que falei mais ou menos a meio. Pensei que a generalidade dos militantes aproveitasse a ocasião para tecer elogios às virtudes do ECD e do seu modelo de avaliação, mas não foi isso que aconteceu. Começou por falar o militante Chocolate Contradanças (é esse o seu nome) que foi professor e se disse desgostoso por ver o estado de desmotivação em que a sua mulher está, ela ainda professora, e referiu que o PS iria perder a maioria absoluta devido a esta ME; foi aplaudido. O Humberto Daniel teve uma intervenção bombástica ao começar por dizer que "por muito menos o Correia e Campos foi para a rua"; foi aplaudido. Outros militantes se seguiram. O Paulo Pedroso teceu críticas ferozes, também preocupado com os resultados eleitorais. Disse "a Escola está agora pior" e, referindo-se a uma passagem do discurso do secretário de estado em que este dizia que os últimos dez anos foram uma barafunda (não me lembro se a palavra foi esta ou outra idêntica) nas escolas, Pedroso lembrou que "o PS esteve 7 desses 10 anos no governo"; foi muito aplaudido. Seguiram-se outras intervenções, de professores, alguns membros de conselhos executivos, ex-professores e militantes do PS, cada uma apontando aspectos diferentes das fraquezas deste modelo de avaliação, raramente se apontando virtudes. Chegou a minha vez e quis partir mais alguma loiça, pois estava revoltado sobretudo com uma frase dita pelo secretário de estado e que não havia sido ainda comentada por ninguém. No final do seu discurso ele havia dito, referindo-se às negociações com os sindicatos, que não estava na disposição de ceder nem de renegociar. Coroou o seu raciocínio com o provérbio chinês "Quando se dá uma bolacha a um rato, a seguir ele quer um copo de leite." Assim, sem tirar nem pôr! Depois de me apresentar, esclareci que sabia o que era uma metáfora mas que não podia ficar indiferente à contextualização dada àquele provérbio, onde os professores eram comparados aos ratos, e salientei: - Um professor pode até aceitar uma bolacha e pode até beber um copo de leite, mas também sabe desmontar uma ratoeira;Tensão na sala, com muitos olhos em cima de mim, de pé, com o microfone na mão. Mas não fraquejei e achei que devia ser ainda mais contundente. Depois de referir as fraquezas deste modelo, a má-fé e as reais intenções que estão por trás dele disse: - Isto é uma palhaçada! Continuei dizendo que o ME está sempre a passar à opinião pública que os professores trabalham poucas horas e que têm muito tempo de férias. Lembrei que: - Em relação às horas, não sei como chegam a essa conclusão, pois eu nunca trabalho menos de 40h por semana, e é frequente trabalhar bem mais. Quanto às férias e às paragens, como nos podem atirar isso à cara se nos limitamos a cumprir o calendário estipulado pelo ministério? Até parece que os professores andam a roubar alguma coisa a alguém. Sabia que estava a pisar terrenos argilosos, mas arrisquei de novo: - Isto é uma palhaçada! Às tantas o Vítor Ramalho interveio e disse que não podia admitir esta linguagem, que se tratava de um encontro de militantes do PS onde as pessoas se respeitavam. Eu, que vejo na generalidade dos políticos pessoas que são tudo menos sérias, estive-me nas tintas para os seus pruridos. Perguntei-lhe se os não-militantes não podiam intervir. Ele disse que sim. Perguntei-lhe se me deixava continuar e concluir a minha opinião. Disse de novo que sim, e eu continuei. Para concluir lembrei-me de uma série de ataques que o secretário de estado fez aos professores e às suas formações. A esses ataques respondi: - Todos os professores têm formação média, superior ou equiparada, alguns têm mestrado, outros têm doutoramento. Fizeram profissionalização dentro dos moldes estipulados superiormente. Fazem acções de formação e actualização com regularidade. Como nos podem atirar também isso à cara? Lembro que mais de 90% dos professores têm habilitações académicas superiores às do primeiro-ministro. - Aí é que foram elas! Não se podia falar mal do ai-jesus de todos eles, ali. Pateadas da mesa e de muitos dos presentes na plateia. Ainda perguntei, por duas vezes: - Estou a dizer alguma mentira? Ninguém me disse que não. Sentei-me; ninguém bateu palmas. Ouvi atentamente as intervenções seguintes. Um psicólogo referiu que a ministra tem, à partida, qualquer coisa contra os professores, e que isso é notório nas suas intervenções. O último a falar foi um colega que referiu conhecer como funcionam as coisas noutros países da Europa, onde esteve várias vezes em trabalho, e de não saber de nenhum onde os professores sejam divididos em duas carreiras. Questionava ele a que país, afinal, tinha ido o ME inspirar-se. Para terminar, foi dada a palavra ao secretário de estado, que voltou a falar das virtudes deste modelo de avaliação e da importância de o levar à prática. Foi um discurso circular, onde muito pouco se reflectiram as preocupações colocadas pela plateia. Foi assim a minha aventura de quatro horas numa palestra promovida pelo partido que suporta o governo que está a destruir o ensino público no nosso país. António Galrinho Publicado por JoaoTilly em novembro 20, 2008 07:37 AM

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