domingo, 2 de março de 2008

MOVIMENTO DE ÁGUEDA

Breve Caracterização

(extratos do livro da Lígia Calapez)

Contexto em breve síntese

Águeda é um concelho cuja localização e tecido empresarial (constituído em grande medida por pequenas e médias empresas que desenvolvem actividade em áreas como metalurgia, cerâmica e têxteis) proporcionou o crescimento de uma camada economicamente favorecida, de par de uma mão-de-obra globalmente não especializada, facultando, por outro lado, que, até um passado recente, problemas sociais particularmente graves como o desemprego, não fossem generalizados.

O processo de industrialização do concelho (mantendo-se embora, em simultâneo, quadros de vida social próprios dos meios rurais) teve início na segunda metade do século passado registando um forte incremento após a Revolução de Abril de 1974, com a multiplicação de pequenas e médias empresas e a melhoria de condições de vida de muitas famílias residentes.

Esta realidade evoluiu num quadro de claras fracturas sociais, em que muitas famílias residentes ou migradas de zonas pobres do interior e migrantes de etnia africana – que assumem tarefas produtivas mais duras e mal pagas – vivem condições de pobreza e mesmo sub-humanas marcadas, nomeadamente, pelo não cumprimento de deveres e direitos sociais nas relações e contractos de trabalho.

Nos últimos anos, o quadro de desenvolvimento sócio-económico regista uma rápida mudança. No início de 2003 os níveis de desemprego eram calculados em 3,1% Um valor ainda bastante inferior à taxa de desemprego no país - cerca de 7% - mas que representa a quase duplicação desta percentagem entre 2001 e Março de 2003.

A condicionar e a agravar esta situação, encontram-se os baixos níveis de escolarização, reflectindo nomeadamente pouco investimento pessoal e social na formação. Tal como acontecia na década de 91, o nível de instrução predominante continua a ser o primeiro ciclo.

Cruzam-se assim diversas lógicas de exclusão.

As circunstâncias em que teve lugar o incremento da produção industrial propiciou que entre as classes favorecidas se desenvolvesse uma ideologia legitimadora de situações de privilégio social e politico, apresentadas como situações exemplares de ascensão social por mérito próprio.

Por outro lado, a aposta numa mão-de-obra indiferenciada, numa primeira fase inserida num quadro de desemprego apenas residual, conduziu a uma desvalorização da própria necessidade de formação, nomeadamente profissional. Dando lugar - com reflexos particularmente graves entre os jovens - a uma significativa margem da população que passa da frustração na escola para a frustração no mundo do trabalho. A falta de projectos de vida desvaloriza-a aos seus próprios olhos e aos olhos da comunidade em que vivem.

Se, a partir de meados dos anos 70, os valores que animavam a vida social do Concelho estavam abertos à problemática dos Direitos humanos das pessoas com deficiência (facilmente assumido como grupo com desvantagens sociais), a partir dos anos 80, este mesmo investimento relativo a outros grupos sociais da nossa comunidade foi vivido como conflito e foi deslegitimado pelos grupos sociais que detinham o poder de decisão regulação da vida social local.

Para esta situação contribuíram, tanto a divulgação dos resultados de um estudo sobre as causas sociais da mortalidade infantil em Águeda, entre 1986 e 1987, quanto a criação de estruturas sócio-educativas informais, em que as crianças das famílias pobres e marginalizadas de várias localidades do Concelho se constituíam como grupos comunitários. Os problemas sociais ganham visibilidade e voz.

A procura de sentido para a mudança no encontro com Gentle Teaching, Rosa Madeira

O processo que constitui a história do Movimento, é de uma contínua redescoberta e recriação.

Através das sucessivas respostas que foi identificando e construindo para fazer face às realidades que pretendia transformar e aos obstáculos com que se foi confrontando, o Movimento de Águeda vai dando origem a uma teia de iniciativas autónomas e interligadas, formais e informais, feitas de espaços e tempos (permanentes e pontuais) de acção e de reflexão.

Neste percurso foi-se descobrindo que o processo de construção/ luta por novos contextos de não-discriminação, igualdade e inclusão social representava um investimento permanente, não apenas na “solução” para as pessoas a quem se dirigia a sua acção, mas na aprendizagem pessoal e grupal de uma nova forma de “ser gente com gente na frente” e de resistência crítica face aos saberes e poderes sobre os quais assentam as estruturas e dinâmicas sociais (re)produtoras de discriminação e exclusão.

Construído passo a passo, ao sabor da interacção com a realidade, alargando redes no espaço e no tempo, o Movimento de Águeda afirma-se com base num nó sólido de valores, em que luta contra a exclusão rima com dignidade e solidariedade.

Fazendo uma leitura global do percurso do Movimento de Águeda:

  • Criação do Jardim de Infância da Bela Vista – apostando na integração da criança com deficiência num espaço educativo normal

  • Criação do Centro de Saúde

  • Criação de um vasto conjunto de instituições – com creche, jardim de infância e ATL, na sequência do trabalho desenvolvido pelos Grupos Comunitários

  • Constituição de Associações – pela necessidade de perpetuar no tempo iniciativas que partiram da informalidade. São exemplos: a Associação de Solidariedade Social Banco de Leite em 1990 e a Associação de Animação Artística Contador de Sonhos em 1999

  • Criação de organismos/serviços estruturas que se mantiveram/mantém ligadas e na dependência de uma ou várias instituições. São exemplos: Bela Vista, como sub-núcleo da associação de paralisia cerebral; Consulta de Puericultura; Centro de Criatividade da Bela Vista (posteriormente ATL); Serviço Social da Bela Vista; Equipa de Ensino Especial Integrado de Águeda; Consulta de Saúde Infantil; Consulta de Saúde Materna e Planeamento Familiar; Equipa Multiprofissional de Águeda; Creche Familiar; Ludoteca na EB1, nº 2 de Águeda; Intervenção Precoce; Mini-Equipas Multiprofissionais de Aguada de Cima, Borralha, Trofa e Valongo

  • Estruturas semi-formais e informais, que traduzem processos fluidos e funcionam como experiências. Exemplos: Grupo de Apoio ao Desenvolvimento da Criança; Programa de Apoio Domiciliário a Crianças com Problemas e de Risco Social; Grupos Comunitários; Banco de Leite; Campanha Pai Natal; Grupo de Animação Teatral de Águeda (GATA); os múltiplos projectos implementados pelo Movimento

  • A visibilidade das acções e iniciativas do movimento – nomeadamente através de colóquios, palestras, seminários, a própria rede ligando instituições e gente da comunidade - contribuiu para a sensibilização de um crescente número de pessoas para os ideais do Movimento e gerou um efeito multiplicador, reflectindo-se mesmo – como experiência piloto - ao nível de tomadas de posição politicas

  • O leque de efeitos aqui aflorado traduziu-se essencialmente na melhoria de condições de vida de um vasto conjunto de crianças/jovens e famílias.

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